
Na vida de Stefan Zweig está figurada a existência e o desaparecimento de um tipo de ser humano que representou quase a síntese dos valores humanistas europeus que se consolidaram no século XIX. É a existência de uma classe privilegiada pela geografia e pela história, a alta burguesia europeia em sua trajetória de emulação e depuração da herança da aristocracia. A acumulação de riqueza nestas famílias burguesas tinha enfim possibilitado a esta geração de herdeiros a possibilidade de vivenciarem os dons da arte e da música e o século XIX, com a consolidação do capitalismo industrial, deu condições para que alguns sujeitos pudessem desfrutar de tudo isso e a partir de aí criar a arte que influenciaria o século XX. ´e deste mundo de privilégios que trata este livro, deste auge de um império que representava o passado da Europa, um passado que estava prestes a ruir em meio as suas contradições. Na construção de Zweig falta talvez a constatação de que aquele universo privilegiado (da alta burguesia europeia do Império Austro húngaro) era uma bolha cujo o entorno e a própria sobrevivência estavam ancorados em uma corrente de miséria e exploração. De qualquer forma este volume de memórias é admirável até mesmo por este espírito humanista um pouco ingênuo, esta crença, não mais agora possível nos valores da cultura e esta confiança de que a literatura pudesse ser um idioma de entendimento fraternal e profundo entre as pessoas. Esta delicadeza, quase uma pureza intelectual que encontramos neste texto, nos remete a um sentimento que mesmo tendo desaparecido do horizonte do mundo ainda parece encarnar um anseio poderoso, um pressagiar de uma possibilidade humana que vale a pena conhecer. Para mim um belo livro, com suas sentenças e seu pensamento generoso a respeito da raça humana apesar das guerras e da desolação. É triste saber que poucos anos mais tarde Zweig se mataria, sem mais forças para prosseguir uma vida da qual tudo aos poucos foi retirado. Ainda assim, mesmo sabendo deste destino, esta é uma vida bela, de princípios elevados (mesmo em suas contradições) que devemos conhecer e respeitar. Esta releitura me fez bem e foi bom reencontrar o humanismo fraterno de um homem como Stefan Zweig.