
Gostei muito da leitura do livro de contos de Edmund Wilson Memórias do Condado de Hécate. Há muita elegância na prosa de Wilson e principalmente uma capacidade descritiva que vai aos detalhes mais importantes de uma determinada atmosfera. A crítica em geral despreza o Wilson da prosa de imaginação e praticamente o admoesta a ficar nos limites da crítica. Acho demasiadamente estreita esta visão, e embora a ficção de Wilson não ascenda a dimensão de sua prosa, deve e merece ser lida e meditada pelos que gostam da literatura.
Dois dos seis contos, me chamaram a atenção A princesa dos cabelos dourados e Os Milholands e sua alma condenada. O primeiro é uma narrativa bastante crua, quase cruel na sua sutil descrição do relacionamento do personagem com duas mulheres de classes sociais diferentes. Wilson, com seu estilo objetivo e direto caracteriza a imensa distancia destas duas mulheres através de vários detalhes como a roupa, os gostos, a fala e principalmente os seus ambientes e seus passados. Mas principalmente disseca o tratamento de classe, a base de amargura e preconceito que está inscrita em nosso comportamento social, no modo como lidamos com os seres humanos através de uma rede de relações construídas sobre os alicerces da luta de classes. É um conto amargo de amor.
Os Milholands e sua alma condenada é uma divertida narrativa, sarcástica, irônica sobre o mundo editorial e, por tabela, de toda a falsidade e representação artificial do mundo intelectual. Wilson demole uma a uma as imposturas da vida editorial da América do início do século vinte, o tom postiço de suas pretensões, a falsidade de suas mais altas alegações de cultura e seriedade. O conto desnuda o modo pelo qual as mais baixas demandas materialistas se fantasiam para o público como altas expectativas culturais e jogos civilizados; como os personagens que encenam uma alta espiritualidade não passam de materialistas grosseiros que encontraram no mundo dos livros um mercado adequado para as suas ambições. O alvo dele é claro é a sociedade capitalista americana do início do século XX, o modo como tudo era visto como mercadoria e produto, onde tudo estava envolvido pelo desejo puro de lucro e o cálculo frio das perdas e ganhos financeiros. Um grande conto, mas tem duas faltas: a primeira é que Wilson de uma certa maneira apresenta este mundo em contraposição – ele imagina – de uma época passada, o século XIX, onde os verdadeiros intelectuais ainda faziam o jogo verdadeiro do espírito. Há uma certa idealização da geração anterior que, esta sim, ainda estaria imbuída dos “verdadeiros valores da América”. A segunda falta é a seguinte: este é um conto de muito humor e sarcasmos e crítica. Sob o olhar do autor nada fica sem ser ridicularizado ou ao menos reduzido a sua verdadeira dimensão, em geral, mesquinha e ridícula. Tudo está posto à prova, tudo menos o autor. Ao narrador de Wilson (e suspeito, ao próprio Wilson) falta a auto ironia, o dom superior que, sem ser depreciativo, permite a alguém rir de si mesmo. O narrador de Wilson se leva a sério mesmo fazendo parte do mesmo ambiente editorial que ele perfeitamente ironiza. Não consegue rir de si mesmo e isso faz de parte de seu riso apenas escárnio. Mas ao perceber isso nós também rimos de Wilson.